Costuro pequenos pedaços do tecido dos outros em minha própria colcha. Formo um mosaico só meu. Há retalhos azuis, cuja textura áspera nem sempre tenho a coragem de tocar; laranjas, tardes de verão; vermelhos, que aproximo do corpo quando alcanço a ousadia necessária. Memórias doloridas de nostalgia do que fui e não sou mais. Pensamento ardente e incessante no que sou e posso ser. Tudo conectado pela linha fina de pontos por vezes mal acabados. Há partes quase rasgadas, remendo depois. Não é esse o mantra? Fato é que ser humano que exerce mesmo essa Função Vida ousa tirar do armário a tal colcha de retalhos. Como sobrevivem os mortais sem pensar no modo como cada ponto cruz foi bordado na especial parcela de crochê do seu coração? Quase sinto na pele o gélido da solidão. Estar quente é melhor. Ter gente ao redor. Olho para estampa da minha roupa de cama especial e vejo rostos. Alguns me arrancam sorrisos cativantes. Para outros, reviro os olhos. Enxergo cenas perfeitas, só um pouco desbotadas pela memória falha do cérebro humano. Me deito, surpreendentemente em paz, cubro-me daquilo que, dia após dia, me fez existir como sou. Me protejo dos monstros embaixo da cama. Durmo em segurança. Acordo e costuro algo novo.
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Que lindo!
Texto perfeito, amei!